sábado, 30 de outubro de 2021

Polígono das secas

Polígono das secas
Território mais prejudicado do Brasil
Picuí grande - Série reminescências 09

Ele compreende os estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Maranhão e parte do norte de Minas Gerais. Aqui chove em média por ano 400 a 600 mm e há regiões em que chove menos, causando um desabastecimento em gêneros alimentícios  e água em quase 50% das previsões, pois chovendo de janeiro a junho, o restante do ano é estio total. Se houvesse irrigação e chuvas mais constantes o nordeste seria abundante em sua produção.

Sabe-se que um quilo de feijão de arranca possui 600 grãos, que planta 150 covas de feijão com 4 caroços cada que safreja 4 vagens de 5 grãos cada um. que na colheita com feijão batido nos terreiros das casas rurais obtem-se 3000 grõs de feijão que totalizarão aproximadamente após a quebra natural da colheita 6 sacos de 50 quilos cada.

Essa produção era transportada pelos produtores em lombo de burros mulos, animal híbrido do cruzamento da égua de raça com jumento grande, resistente às grandes caminhadas, ate chegar na capital do estado e adjacências, onde era vendido aos atacadistas. Após o descanso de dois dias, os animais voltavam carregados com tecidos, ferramentas de agricultura, rapadura, café, sal, sabão, querosene e fumo. Mercadorias que eram compradas pelo botqueiros de então.

Os tropeiros eram homens rústicos, destemidos que tocavam suas tropas do nascer ao pôr do sol. Alimentavam-se de paçoca que é feito com carne de sol assada, batida no pilão, misturada à farinha de mandioca branca e crua, queijo de coalho duro e rapadura, juntanso-se as proteínas da carne e do queijo ao carboidrato da rapadura, trazendo energias a esses desbravadores do sertão nordestino.
 
O que se vê hoje em dia é o não cumprimento da equivalência do produto o que significa plantar 10 quilos de feijão e na colheita vender a mesma quantidade de mercadoria pelo preço que fora comprado. O excesso da produção faz o preço cair absurdamente desvalorizando as mercadorias ofertadas e diminuindo grandemente o luvro do produtor rural.

Até 1950 encontrava-se facilmente glebas rurais produzindo uma agricultura de culturas consorciadas com feijão, arroz, milho, batata doce, jerimum e melão, que somados à produção de 8 a 10 cabeças de gado, fazia com que o homem do campo tivesse um bom lucro financeiro ao ponto do mesmo, de 3 em 3 anos, comprar uma casa residencial no povoado mais próximo para nas festas do padroeiro, na noite de Natal, levar sua família para se divertir na vila.

A Sudene que foi criada para atender o pequeno produtor rural tornou-se ao longo dos anos a mentira mais fantasiosa do nordeste, patrocinando grandes empréstimos a grandes empresários, procedimentos que não constavam de sua carta de fundação. Esperamos que a transposição das águas do Rio São Francisco amenize o sofrimento do povo nordestino, pois na colonização daqui quem possuía 10 cabeças de gado era considerado um homem rico.

Heleno Henriques de Araújo.

sábado, 23 de outubro de 2021

Assado de boi herado

Assado de boi herado
No sistema de fogo de monturo
Picuí grande - Série reminescências 08

Extraído do caderno de receitas da matriarca Clementina Bertoldina da Conceição, esposa do produtor rural Manuel Henriques da Costa da Fazenda da Volta - Picuí PB

Boi herado é um animal com mais de cinco anos, criado solto nos campos de pastagem.  Fogo de Monturo é o sistema de queimar devagar restos de madeira de móveis velhos  e de todo produto não utilizável. Esse sistema costuma queimar a madeira devagarzinho, por 24 horas. Pega-se uma peça do boi chamada carne de peito, capa de costela, cochão duro e do tamanho de 3 quilos abre-se a peça ao cumprido, temperando fortemente com sal, cebola, alho, pimentão, hortelã da folha miúda e meio quilo de toucinho defumado. Enrola-se a peça recheada com os temperos amarrando-a com um cordão de barbante. Como se fosse um rocambole. Coloca-se a peça dentro de um saco, daqueles que vem com feijão. Um saco vazio. Amarrando de ponta a ponta com barbante. Coloca-se em cima de uma trempe do fogo de montero e deixa-se assando longamente como se fosse o atual sistema de assar costelas bovinas.  

A peça de carne bovina fica assada no que se chama popularmente de assado no bafo. Fica tão macio que se corta até com uma colher das de sopa. Mesmo que seja as partes mais duras do animal abatido.

Acompanha arroz branco refogado a alho e óleo, misturado com farinha de mandioca branca e crua, com queijo de coalho duro, ralado grosseiramente. Esse é um prato domingueiro que leva bastante tempo para ser preparado. Acompanha também batata doce assada igualmente na casca banhada ao mel de abelha silvestre.  

Heleno Henriques de Araújo.

sábado, 16 de outubro de 2021

As fontes de água dos rios, riachos e esbarros d´água

Picuí Grande Série Reminiscências 07

As fontes de água dos rios, riachos e esbarros d´água

Antônio Henriques Neto, o princípe dos poetas da literatura nativa, em seu primoroso poema "O Véio Carro de Boi", encantou ao mundo da poesia matuta, declamando teluricamente:

Já Véio, muito cansado,
Um dia fui convidado
Pra cunhecer a capitá
Vi muito luxo e riqueza
Mas toda aquela beleza
é mais artificiá

Vi as águas cristalina, trancada numa piscina
Briando contra a vontade
Deferente das maretinhas dos rios
Que correm em totá liberdade

Muito embora tenhamos bons rios como São Francisco, Pajeú, Paraíba, Potengi, Seridó, Jaguaribe, Castanhão, Parnaíba, as águas são grandes problemas para o nordeste, pois as temporadas das chuvas geralmene chegam em janeiro e terminam em maio, não existindo acúmulo de águas para o restante do ano.

O sesmeiro com documentos da posse da terra nas mãos, procurava junto com sua família, uma fonte de água, perene ou temporária, para erguer sua casa de morada, pois as paredes da mesma eram feitas de pau a pique e reforçadas com barro molhado, com água, que é chamado de "barro batido".

Essa mesma água era necessária para o dia a dia dos seres humanos e dos animais. A sorte era que quando aparecia um boi com os cascos molhados de lama, já que os mesmos viviam livres nas capoeiras e nas colinas, pela falta de arame farpado, para cercar as propriedades. Era só o vaqueiro seguir o rastro do animal recém chegado que se descobria uma nova fonte de água.

No período considerado crítico, que era de julho a dezembro, os sitiantes vendiam na sua produção agro pastoril pela metade do preço da mercadoria. Com o dinheiro arrecadado supria as necessidades das sesmarias. Por exemplo, uma novilha gorda de 200 quilos, que deveria ser vendida por 4 mil reais, o atravessador endinheirado só oferecia a metade do preço. E assim acontecia com as mercadorias produzidas no campo.

Na minha terra o rio Acauã é o mais importante dos demais. Ele nasce na serra do cotovelo e desce no sentido do sol nascente, recebendo os afluentes chamados Várzea, Letreiro, Cachoeirinha, Da Volta, Gravatá, Passagem, Araújo, Tamanduá, Barra, até encontrar-se o arruado Pucuhy com o rio do Pedro, que tem as suas nascentes na Serra do mesmo nome, criando um grande volume de água que banha rio abaixo as margens acricultáveis de uma infinidade de agriculturas ribeirinhas. A ação benéfica do rio Acauã é que, embora temporário, já foi apelidado de "pequeno rio Nilo do sertão nordestino".  

As chuvas anuais daqui do nordeste, quando caídas no seu devido tempo, é a maior riqueza que o povo comemora de acordo com as fases da Lua.

Heleno Henriques de Araújo.

sábado, 9 de outubro de 2021

As abençoadas raças bovinas que enriqueceram o nordeste brasileiro.

Picuí Grande Série Reminiscências 06

As abençoadas raças bovinas que enriqueceram o nordeste brasileiro.

Tudo começou quando em 1549 Portugal empossou o primeiro governador geral do Brasil Tomé de Souza, que trouxe consigo uma grande equipe com destaque para o primeiro almoxarife do Brasil, o Seu Garcia D´Avila que tinha as atribuições de emitir títulos de posse das sesmarias relacionando as doações do império luso aos sesmeiros, tais como gado bovino, animais de carga, criações miúdas, sementes e mudas para que os projetos fossem adiante.

Com as caravelas vieram as primeiras cabeças de gado da raça mirandesa, que eram distribuídas entre os donos das sesmarias. Era um gado de pequeno porte, pelagem amarelada, que se adaptou perfeitamente às pastagens do nordeste. O macho adulto pesava não mais do que 20 arroubas e a fêmea alcançava a produção diária de 4 litros de leite, o suficiente para criar o seu bezerro.

Com a invasão holandesa no estado de Pernambuco quando Maurício de Nassu importou dezenas de reprodutores da raça holandesa para melhorar a genética dos animais aqui existentes. Principalmente para operacionalizar as moendas das usinas de cana de açúcar. E o cruzamento da primeira com a segunda raça surgiu um animal mediano de pelagem preta apelidado de gado pé duro, despertando o interesse dos ruralistas em incentivar o cruzamento melhorando os ganhos financeiros da pecuária.

Em 1808 com a chegada do rei Dom João VI ao Brasil, ele trouxe enormes bois da raça caracu para puxar as carruagens imperiais. Animais de pelagem amarelo caramelado, despertou pouco interesse dos criadores em reproduzi-lo.

Em 1896 o selecionador de gado Assis Brasil interessado no índice de produtividade importou as primeiras cabeças de gado Jersey da ilha do mesmo nome encravada entre a Inglaterra e a França. Animal pequeno, a fêmea consumia a metada da forragem da vaca holandesa e produzia a mesma quantidade de leite diária, sendo que o índice de gordura desse produto era superior ao leite das concorrentes, o que fazia com que a vaquinha Jersey se tornasse uma excelente produtora de queijos.

Em 1918 o pecuarista Eliseu Camargo trouxe do cantão Xuite na Suiça dezenas de reprodutores da raça Pardo Suiço, que é um animal bastante graúdo bom de corte e de produção de leite. Por fim em 1950 a próspera Uberaba importou 60 animais da raça Zebu, como o Nelore, Guzerá e Gir, cujo cruzamento tricross gerou a primeira raça de gado brasileira que foi a InduBrasil.

Assim criou-se uma historiografia própria da vida de gado que na pia batismal do sertão obedece aos seguintes parâmetros: bezerro de 1 ano, garrote de 2 anos, novilhote de 3 anos, novilha de primeira cria de 4 anos, toureco e boi de lote de 5 anos. Lembrando que a primeira vaquejada que se tem noticia no Brasil aconteceu em 1874 na região dos Currais Novos.

Heleno Henriques de Araújo.